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A mostrar mensagens de março, 2020
11 Terminado o almoço na companhia da TV, lavou o prato e os talheres. Sua cozinha era espartana. Todo comer que preparava durava duas ou três refeições. Comia pouco e rápido, moderava muito nos alimentos de que antes abusara. Às vezes não dispensava um copito de vinho e embora desaconselhado a comer pão, dele não se afastava. Gostava de frutas. Não perdia as promoções de época. Antes quando era jovem não dava importância, mas com a idade passou a apreciar lentamente o sabor de cada fruta durante às sobremesas. À noite não dispensava seu prato de sopa e o pão. Suas análises lhe diziam que não era com alimentação que devia preocupar-se. Mantinha tudo em ordem com seus medicamentos habituais já há muitos anos. Não podia queixar-se da saúde a não ser pelos joelhos que lhe tiravam o humor. Tinha reservado aquela tarde para arrumar alguns papéis que há muito adiava. Foi buscar no armário do corredor a bandeja onde acumulava seu correio. Já não recebia cartas e ali só havia contas e
O momento atual amedronta e com razão. Ninguém está preparado para enfrentar uma situação como essa e é de se prever procurar culpas... As sociedades como os indivíduos culpam sempre algo sem antes julgar a si próprios, um comportamento psicológico bem conhecido e recorrente. Nosso país tem muitos problemas que bem devem ser criticados mas mesmos outros mais avançados também estão à mercê da sorte. Está na pessoa, no Holismo, mais que qualquer tipo de organização social, toda a diferença. Sejamos menos orgulhosos e egoístas. 
A independência dos três poderes é o garante da Democracia. Sempre achamos que é e tem sido assim no Brasil. Não é. Desde sempre, ao que se dá o nome "negociação" tem sido a maneira dos poderes ficarem "arrumados" e a população... Quando esse governo disruptivo tenta peitar essa tal "negociação" surge o conflito e isso é uma total "descaratice" do Congresso e do Judiciário. Um Executivo independente e com a legitimidade dos votos para o comando tem suas prerrogativas para governar, e deve ser assim no regime presidencialista que adotamos. Cabe ao Congresso melhorar essas iniciativas no interesse da população e ao Judiciário a conformidade na Constituição. Essa desejada relação harmônica e proveitosa não existe porque o Congresso chantageia aprovações em troca de benefícios pessoais e o Executivo não encontra forma de diálogo que o endosse. Ambos erram. "Na briga do mar com o rochedo quem apanha é o marisco!" 
O Home Office, as vídeo conferências e o ensino à distância deixaram de ser coisas engraçadas para serem usuais e necessárias. É uma verdadeira quebra de paradigma que veio pra ficar, trazendo grandes mudanças no transporte, alimentação, vestuário e principalmente no convívio com a família. O que interessa mesmo não é como mas sim quanto se "entrega". 
Enquanto aguardo na porta do supermercado com entradas restritas pus-me a pensar. "Guardar no Verão para consumir no Inverno..." Estamos a começar um "Inverno" no mundo e será preciso repartir o que se juntou durante o bom tempo... Além da pandemia, a Economia mundial também faz seus mortos e esses são um perigo de morte para os que vão escapar. Sem produção pode ainda haver algum dinheiro guardado mas para comprar o que? E não se trata apenas de víveres porque sem se produzir um automóvel não haverá dinheiro para comprar comida ou minério de ferro... Não será o fim... tudo retomará seu curso lenta e progressivamente. Será um recomeço como muitos houve, com muitas dificuldades e privações. Reconstruir tudo o que vírus devastou... vamos ter aprendido muito... será mesmo? 
A ideologia da roubalheira na política deturpou o conceito do Estado. Tudo o que se refere ao Governo passou a ser sinônimo de coisa a evitar. No aturdimento provocado pelo descalabro da coisa pública o cidadão perplexo se refugia no individualismo e na ortodoxia das soluções, como se uma houvesse... Para nós que ainda engatinhamos na livre iniciativa concorrencial, o "Neo" parece que chegou primeiro que o velho Liberalismo conhecido de outras paragens, e que por ser velho, já aprendeu com seus erros... A ojeriza do Estado é uma estupidez, tal como a idolatria do privado. Não se pode viver em grupo sem quem cole todas as peças do puzzle; esse é o Estado, e faz muita falta exatamente nas horas mais difíceis em que um sozinho descobre que não pode viver sem os outros.
10 O Bonifácio precisava ir ao veterinário. Já sabia que a pensão daquele mês ia ficar mordida. Seu amigo felino já há algum tempo comia pouco e notava que emagrecia. Tentava lembrar onde tinha guardado da última vez a caixa do gato, já fazia dois anos que o Bonifácio não ia ao médico. O velho e o gato faziam companhia um ao outro há já perto de treze anos. Fora um presente de uma sobrinha, passado um ano do falecimento da esposa. Quis que o tio tivesse companhia. A relação entre os dois era curiosa. O velho nunca gostara muito do “presente”. Limitava-se a alimentá-lo e limpar sua areia diariamente. Não “conversava” ou fazia festinhas ao bichano. Limitava-se a ficar a olhá-lo enquanto dormia sobre o sofá. O gato também era de poucos miminhos. Quando não estava a dormir, gostava de ficar a espreitar pela janela quando ali batia o sol. O velho não lembrava-se de tê-lo ouvido miar alguma vez. Enfim, mantinham uma relação à distância… agora notava seu companheiro doente.
9 Não conseguia dormir. Acordava sobressaltado dos poucos cochilos. Tentava encontrar uma razão para o seu estado já que o colega não era assim tão conhecido. O Júlio havia morrido e seu enterro seria aquela manhã. Ele lá iria por consideração e respeito aos habitués da praceta. Sentia-se mal quando levantou bem cedo. Não gostou do que viu ao espelho. Sua boca estava seca, notou a pele mais flácida e mais seca, seus poucos cabelos finos mais raros naquela manhã. Seus olhos vermelhos da noite mal dormida lacrimejavam por cima das olheiras que lhe marcavam ainda mais o rosto envelhecido. Sentiu-se velho. Seria a morte do colega o motivo daquela sensação ruim? Afinal o Júlio era bem mais velho e já estava doente há muito tempo. Era esperado que a qualquer momento recebessem a má notícia. Arrumou-se e partiu para o cemitério onde decorria o velório. Fazia um belo dia de primavera e planeou ir andando, porque não quis ficar em casa a espera da hora para apanhar o autocar
As consequências financeiras terão sua quantia... as morais seu valor... Estava ontem a conversar sobre isso, do ponto de vista espírita ou religioso como queiram, porque é na hora que as coisas ficam mesmo feias que a gente começa a rezar... Nada é por acaso e tudo tem um proveito... Quem sabe não está na hora de abrir bem o olho para um refugiado afogado no Mediterrâneo, para o êxodo de um rohingya, para a fome de um somali ou para não ir muito longe para uma criança morta por bala perdida... Tudo está ligado no mundo. Vivemos numa teia frágil e o que acontece a um nos afeta a todos... Infelizmente, ainda para nossa natureza rude, precisamos do sofrimento para lembrar disso... Essa pandemia vai passar e teremos que aprender com ela.
Tá uma confusão geral no mundo... não há um único ente que possa coordenar isso. A OMS limita-se a mudar a denominação para pandemia... Alguns governos minimizam e politizam o problema, as populações superinformadas não sabem o que fazer... Será que com tudo que já sabemos até agora não seria o caso de "achatar" a curva exponencial do contágio para ter como tratar das pessoas enquanto não chega a cura? Não seria o caso do mundo experimentar um inédito "fecho" pra balanço...? É um desafio que tem que ser enfrentado. Caso contrário prefiro imaginar que os mortos já estão contados e os prejuízos também...
8 Havia muito tempo que o velho não escolhia um presente, principalmente um brinquedo. Andou horas no “chinês” a vasculhar aquilo tudo, e havia de tudo ali. Chegou a deparar-se, duvidou entretanto do que viu, com um artigo erótico que teve o cuidado de esconder da vista das senhoras ou d’algum puto que passasse por aqueles labirínticos corredores da loja. Para os seus olhos desacostumados com tantas opções; jogos, bonecos a pilha, peluches, brinquedos com comando, achava esses, mesmo curiosos, resolveu enfim comprar uma prosaica violinha de madeira que chamou sua atenção pelas pirogravuras que a decoravam. Lembrou-se que sempre quis tocar um instrumento, nunca realizara esse projeto, encontrava na música realmente um prazer especial que gozava ocasionalmente, especialmente ao entardecer, quando punha a almofada mais pequena do sofá às costas no cadeirão, reclinava-se e fechava os olhos. Tinha alguns discos de vinil que o acompanhavam já há muitos anos. Desfizera-se da maioria
7 Já não havia muitos na cidade. Fazia questão de engraxar semanalmente seus sapatos com o Vasquez, um galego, de há muito tempo. Conhecia-o desde os tempos do Cine Metrópole, quando ainda tinha uma pequena cadeira de madeira mal acabada, que ele mesmo fizera. Aos fins-de-semana aproveitava as longas filas na calçada, disputando os fregueses da vendedora ambulante de rebuçados… Hoje no lugar do cinema estava o centro comercial onde o Vasquez, agora com alvará, tinha duas cadeiras altas estofadas em couro vermelho, onde recebia seus fregueses de costume. Já estava reformado há muitos anos. Seu negócio rendia pouco mas era seu meio de estar ativo. Seu sócio havia morrido já há muito tempo e a segunda cadeira raramente estava ocupada… - Bom dia Vasquez! – Cumprimentou-o o velho com um aperto de mão. O engraxate tirou sua boina, curvando-se solícito como sempre, a mostrar seu enorme incisivo de ouro. - Bom dia señor! – Respondeu com aquele resquício de sotaque e invar
6 As senhas não andavam… O corte nas despesas públicas reduziu o número dos funcionários dos Correios e os que restavam andavam mal-humorados com o excesso de trabalho… pensava o velho. - Não há aqui prioridade para os idosos? Perguntou uma senhora que chegava naquele momento, dirigindo-se a ele. - Que eu saiba, não. Respondeu. – É por senhas - disse. A senhora tirou a senha 77. - Mas isso assim não vai… - Tenho o 77 e ainda vai no 53… reclamou alto. Como a senhora parecia muito incomodada, o velho ofereceu-se para trocar sua senha de número 65. Ela agradeceu muito e sentando-se agitada num banco, começou a falar com o velho. - Não tenho tempo mais para nada. Ainda vou ao mercado para fazer o almoço. Não gosto de deixar minha neta com a vizinha. Fico com ela durante o dia enquanto minha filha trabalha. Ela está doentinha… não quis trazê-la pra rua com esse tempo… Sabe como é, não se pode pagar uma creche… A vida anda muito cara… Pobrezita da Isaltina, trabal
5 Acordou de bom humor naquele dia. Gostava muito da técnica que o tratava. Apanhou o autocarro a caminho da sessão de fisioterapia que fazia toda terça-feira. O coletivo estava cheio e o lugar para idosos estava ocupado por outro senhor. Posicionou-se ao seu lado. A princípio o contato foi evitado pelo que estava sentado, mas achando-se mais novo convidou-o a sentar-se. O velho agradeceu mas recusou. Como o outro insistiu acabou por aceitar. Retribui pousando ao colo a bolsa que o outro trazia e o contato ficou por ali. Desceram na mesma paragem e o velho reparou que iam na mesma direção. Ao entrar na clínica de reabilitação o outro disse - Afinal viemos juntos! O velho sorriu simpático e respondeu jocoso – Tínhamos marcado pois não? O que lhe traz aqui? Perguntou o outro - Venho tratar desse menino aqui que só me dá trabalho! – Respondeu o velho apontando o joelho esquerdo. O outro sorrindo disse-lhe que vinha a sua hidroginástica. Tinha sofrido um leve derrame
4 A chuva continuava fina e persistente. Abriu o guarda-chuva e dirigiu-se para casa aquela hora. Ainda não tinha pensado o que fazer para o almoço. Havia ainda uma salada de batatas e frango que sobrara do dia anterior. Achou que não era preciso fazer nada. Ia comer o que sobrou. A calçada estava escorregadia e subia a rua com cuidado. Lembrou-se de um dos colegas da praceta que estava com o pé imobilizado por causa de uma torção naquele calçamento irregular. Mal havia virado a esquina, viu cair logo a sua frente um rapaz de pouca idade. Acorreram logo algumas pessoas e vendo-o desacordado, telefonavam para o 112. O velho aproximou-se do rapaz. Não devia ter 20 anos – pensou ele. Procurou protegê-lo com o seu guarda-chuva. A empregada da loja do chinês convidou que o trouxessem para dentro. Os que o assistiam temeram movê-lo e resolveram esperar com o auxílio de mais guarda-chuvas. O velho continuava a olhar o rapaz muito pálido ali caído. Pensou o que poderia te
3 A chuva fina havia dispersado o grupo da praceta. O velho seguia de guarda-chuva aberto na direção do mercado. Precisava de alho. Havia feito compras ontem mas esquecera do alho. À porta foi abordado por um pedinte. Procurou nos bolsos uma moeda sem encontrar nada para dar. Desculpou-se com um sorriso e um olhar muito claro e direto dizendo - Na volta há troco… Todos naquele mercado conheciam o velho. A senhora dos reparos de roupas, a florista, o ucraniano dos consertos de calçados. Era uma figura bem conhecida ali. Apanhou uma cesta apesar de só precisar comprar um pacote de alho. Olhou de viés para o preço enquanto escolhia aquilo que achasse melhor. Não estavam bons os alhos. - Estão velhos. Comentou a falar baixo. - E caros! – Disse um outro que também comprava. - É verdade, tudo encareceu muito – Concordou o velho. - Isso assim não vai acabar bem! A vida está muito difícil e a gente não consegue pagar esta carestia para comprar comida! – Exclamou o senhor
2 Ao entrar na tabacaria para pagar a conta da luz, resolveu fazer também uma aposta na loteria. Não era do seu costume, mesmo nunca apostava, mas nesse dia algo o fez apostar. Cumprimentou os funcionários atarefados, há muito tempo conhecidos, e seguiu ao encontro dos amigos da praceta. O dia frio obrigava ao uso de casacos mais pesados. Alguns deles, além dos inseparáveis bonés, usavam luvas naquela manhã. Estavam sentados em um banco diferente do de costume, por estar aquele com o terreno mais enlameado. Os cumprimentos habituais e os comentários sobre o tempo arrancaram de cada um poucas palavras difíceis de sair. - Então pá! Não se joga hoje por causa do vento ou das luvas…? Riu-se um deles que se metia com os outros encolhidos de frio. - Os sorrisos amarelos não foram suficientes para tirar mais palavras daquele banco de praça. O velho perguntou pelo Firmino que aquela hora já estaria agarrado ao carteado. - Ouvi dizer que está internado. Animou-se um
1 Aquela manhã não o convidava a sair da cama. O inverno continuava muito frio e as saídas habituais custavam um pouco mais. Terminada a toilete cuidadosa e demorada, o café recém-preparado o reanimou. Seu companheiro felino já havia feito seu pequeno-almoço e ronronava em suas pernas. Olhava distraído para o calendário na parede e lembrou-se que hoje devia pagar a conta da luz; foi buscá-la nos seus papéis arrumados no aparador da entrada. Reparou num dos porta-retratos a fotografia com os amigos da praceta. Fazia quase um ano que o Luís morrera. Ajeitou o boné sobre a calva e partiu. O barulho das chaves na fechadura trouxe a vizinha do 2º direito à porta. - Bom dia! Está melhorzinho hoje? - Vai-se andando – respondeu sem querer falar muito apesar de não ter melhorado daquela constipação – E a senhora como tem passado? - Assim-assim, como Deus quer. Essa era a introdução para o relatório diário de sua saúde à porta da casa todos os dias. - Essa noite pe
De novo mortes causadas pelas chuvas no Rio...  é triste... mas mais que as mortes é o descaso com isso... que tantas vezes se repete. Será que alguém confortavelmente instalado no seu apartamento do Leme está preocupado com essa tragédia recorrente do morador de uma casa ilegal, ao lado de uma ribeira fétida na Zona Oeste? O mesmo para qualquer outra cidade no país. Se a resposta fosse afirmativa certamente esse triste quadro mudaria. O caso, como muitos outros, é consequência da omissão dos próprios munícipes, e por último, do próprio eleitor. Não se vá esperar que seja prioridade de algum governo ou destinação de verbas poucas para encarar de frente esse problema. A leniência perpétua dos governos com relação às habitações irregulares, e pior, em locais de risco, resulta da indiferença do cidadão e isso não muda... Falta de respeito antes e falta de cidadania depois transformaram as cidades em verdadeiras ratoeiras. A miserável favela espraiou-se e ficou até bonita com o fra