4
A chuva continuava fina e
persistente. Abriu o guarda-chuva e dirigiu-se para casa aquela hora. Ainda não
tinha pensado o que fazer para o almoço. Havia ainda uma salada de batatas e
frango que sobrara do dia anterior. Achou que não era preciso fazer nada. Ia
comer o que sobrou.
A calçada estava escorregadia e
subia a rua com cuidado. Lembrou-se de um dos colegas da praceta que estava com
o pé imobilizado por causa de uma torção naquele calçamento irregular. Mal
havia virado a esquina, viu cair logo a sua frente um rapaz de pouca idade.
Acorreram logo algumas pessoas e vendo-o desacordado, telefonavam para o 112.
O velho aproximou-se do rapaz. Não
devia ter 20 anos – pensou ele.
Procurou protegê-lo com o seu
guarda-chuva. A empregada da loja do chinês convidou que o trouxessem para
dentro. Os que o assistiam temeram movê-lo e resolveram esperar com o auxílio
de mais guarda-chuvas.
O velho continuava a olhar o
rapaz muito pálido ali caído. Pensou o que poderia ter acontecido.
A ambulância chegou em poucos
minutos. Os socorristas o examinaram e o puseram numa maca, recolhendo-o à
ambulância. Como ninguém ali o conhecia, utilizaram o telemóvel do rapaz que
estava em seu bolso. Ligaram para o seu último registo e, por sorte, falaram
com sua irmã que disse-lhes ser o rapaz diabético. Constatado seu nível
glicêmico, aplicaram-lhe o medicamento a fim de que reagisse e não fosse
necessário levá-lo às urgências. Após alguns momentos recobrou os sentidos ao
mesmo tempo que chegava sua mãe chorosa muito nervosa.
O velho acompanhava todo o
desenrolar e pensava como um jovem, ainda com tanta vida pela frente, podia ser
acometido de doenças…
As pessoas dispersaram e o 112
foi-se embora. A mãe do rapaz ainda ficou com ele um pouco mais de tempo no
“chinês” que lhe oferecera uma cadeira.
Já passava muito da hora do
almoço mas resolvera permanecer ali com os dois. Um forte interesse o retia.
A mãe do rapaz depois de
acalmar-se percebeu a presença do velho e o seu interesse por ajudar.
- Muito obrigada pela ajuda –
disse a mulher.
- Não foi nada. O rapaz está bem
agora. A senhora pode acalmar-se – respondeu.
Parecia ter dito algo diferente
porque a mulher voltou a chorar.
- Não chore. Seu filho está bem.
- Obrigada meu senhor, desculpe
minha reação. Respondeu-lhe a mulher sentindo-se confiante para falar mais com
aquele estranho – É que nossa vida está muito complicada neste momento e penso
que tudo isso está relacionado.
- O que se passa? Perguntou o
velho preocupado.
- Estou divorciando-me do pai
dele e está a me custar muito. Sinto muito remorso por estar também afastando-o
do pai. Mas ele não merece o filho que tem…
A fisionomia do velho mudou ao
sentir a tristeza daquela mãe.
- Embora não quisesse que isso estivesse
a acontecer, estou resoluta. Acho que o Nuno compreende e me apoia… o senhor
acha que uma mulher pode aceitar um marido que a agride? – Disse manifestando
uma revolta contida.
O velho surpreso só conseguiu
manifestar indignação no seu rosto.
- Isso não se tolera! Disse com
severidade mas tranquilo e seguro. Aquele seu comportamento encorajou a mulher
a recompor-se e reforçar sua decisão.
- Já sofri muito mas agora não
volto atrás!
- Está bem Nuno? Vamos agora?
Dirigiu-se ao filho que escutava atento à conversa.
Despediram-se do velho
agradecendo mais uma vez toda a atenção e à rapariga do “chinês” que tinha
voltado ao balcão.
A chuva tinha dado uma trégua
apesar do céu continuar fechado.
Continuou a caminho de casa com o
alho que havia comprado.
Ao abrir a porta, verificou a
caixa coletiva do correio e lembrou-se da vizinha. Não havia nada para o 2º
direito. Subiu as escadas e entrou em casa. Seu amigo felino veio recebê-lo. Ao
pousar as chaves no aparador apercebeu-se que tinha deixado o alho na caixa do
correio.
Comentários
Enviar um comentário