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Ao entrar na tabacaria para pagar a conta da luz, resolveu fazer também uma aposta na loteria. Não era do seu costume, mesmo nunca apostava, mas nesse dia algo o fez apostar. Cumprimentou os funcionários atarefados, há muito tempo conhecidos, e seguiu ao encontro dos amigos da praceta.

O dia frio obrigava ao uso de casacos mais pesados. Alguns deles, além dos inseparáveis bonés, usavam luvas naquela manhã. Estavam sentados em um banco diferente do de costume, por estar aquele com o terreno mais enlameado.

Os cumprimentos habituais e os comentários sobre o tempo arrancaram de cada um poucas palavras difíceis de sair.

- Então pá! Não se joga hoje por causa do vento ou das luvas…? Riu-se um deles que se metia com os outros encolhidos de frio.

- Os sorrisos amarelos não foram suficientes para tirar mais palavras daquele banco de praça.

O velho perguntou pelo Firmino que aquela hora já estaria agarrado ao carteado.

- Ouvi dizer que está internado. Animou-se um outro a contar uma notícia – O Rui da padaria disse-me que essa noite tinha sido hospitalizado. Se viu aflito esta noite, chamou o filho à casa e o homem o levou ao hospital. Já, já está aí para os vícios… Referia-se também ao vinho que todos sabiam e que lhe era proibido.

- Que dia á hoje? Perguntou um outro.

- Quinta – disse baixinho o do lado.

– Sexta, dia 15! Corrigiu o velho – De hoje a oito faz um ano que o Luís morreu…

- É verdade! Como esse ano passou rápido! Ainda ontem estava ele aí a namoriscar… aquilo é que era um galifão! Ena! Não deixava uma…

- O Luís não era nada assim – disse outro colega, levantando-se do banco – Na verdade era um tímido!

- Era um solitário – asseverou o velho.

O que ficou de pé continuou – É verdade. Nunca casou e pelo que eu saiba também não tinha família… teve um irmão que morreu ainda moço, como contava. A lembrar-se de outro caso, começou a contar.

- Lembram do meu cunhado, o Adolfo. Gostava de viver só. Era seis anos mais velho que a finada. Únicos irmãos.

- Vivia em Santos não é? Perguntou o velho interessado.

- Tinha herdado a casa dos pais e viveu lá até morrer. Só saía para ir ao Centro de Saúde.

- Como será se viver assim? Quis instigar um outro do banco.

- Acho que o Adolfo tornou-se um solitário. Não o quis; na verdade ficou assim. Cá pra mim foi por causa de um relacionamento que teve ainda jovem. Cheguei a conhecer a rapariga quando namorava a falecida Isaura. Acho que chegaram mesmo a estar noivos, mas ao fim a rapariga desistiu do casamento, porque conheceu outro rapaz por quem apaixonou-se. Soube por ele que viria casar-se mais tarde. Foi nessa época que começou-lhe o vício do tabaco que acabou o levando…

- Morreu solteirão – disse lacônico o que havia instigado a discussão.

- Às vezes me passa pela cabeça o que é viver sem mulher. Não nasci para ser padre e isso também não era pro Luís. Falou sorrindo como quem pedia aprovação e continuou.

- O que o Luís mesmo gostava era ficar a admirar as raparigas bonitas, mas ficava por isso. Não era de mandar piropos ou coisa assim. Acho que imaginava-se mais novo, buscando uma noiva com quem casasse e formasse família… lembram como gostava de miúdos?

O velho lembrou do amigo de sua juventude, abaixou-se com dificuldade para falar com um pequeno que chorava por ter tropeçado mesmo ao seu lado. Reconheceu na memória aquele íntimo verdadeiro, sentiu saudades e disse: O Luís tinha bom coração… deixou de crescer quando foi recusado pela noiva e como um rapazote brigou com a vida até o final…

- Olha que já chove de novo! Disse o instigador desinteressado do comentário do velho.

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