2
Ao entrar na tabacaria para pagar
a conta da luz, resolveu fazer também uma aposta na loteria. Não era do seu
costume, mesmo nunca apostava, mas nesse dia algo o fez apostar. Cumprimentou
os funcionários atarefados, há muito tempo conhecidos, e seguiu ao encontro dos
amigos da praceta.
O dia frio obrigava ao uso de
casacos mais pesados. Alguns deles, além dos inseparáveis bonés, usavam luvas
naquela manhã. Estavam sentados em um banco diferente do de costume, por estar aquele
com o terreno mais enlameado.
Os cumprimentos habituais e os
comentários sobre o tempo arrancaram de cada um poucas palavras difíceis de
sair.
- Então pá! Não se joga hoje por
causa do vento ou das luvas…? Riu-se um deles que se metia com os outros
encolhidos de frio.
- Os sorrisos amarelos não foram
suficientes para tirar mais palavras daquele banco de praça.
O velho perguntou pelo Firmino
que aquela hora já estaria agarrado ao carteado.
- Ouvi dizer que está internado. Animou-se
um outro a contar uma notícia – O Rui da padaria disse-me que essa noite tinha
sido hospitalizado. Se viu aflito esta noite, chamou o filho à casa e o homem o
levou ao hospital. Já, já está aí para os vícios… Referia-se também ao vinho
que todos sabiam e que lhe era proibido.
- Que dia á hoje? Perguntou um outro.
- Quinta – disse baixinho o do
lado.
– Sexta, dia 15! Corrigiu o velho
– De hoje a oito faz um ano que o Luís morreu…
- É verdade! Como esse ano passou
rápido! Ainda ontem estava ele aí a namoriscar… aquilo é que era um galifão!
Ena! Não deixava uma…
- O Luís não era nada assim –
disse outro colega, levantando-se do banco – Na verdade era um tímido!
- Era um solitário – asseverou o
velho.
O que ficou de pé continuou – É
verdade. Nunca casou e pelo que eu saiba também não tinha família… teve um
irmão que morreu ainda moço, como contava. A lembrar-se de outro caso, começou
a contar.
- Lembram do meu cunhado, o
Adolfo. Gostava de viver só. Era seis anos mais velho que a finada. Únicos
irmãos.
- Vivia em Santos não é?
Perguntou o velho interessado.
- Tinha herdado a casa dos pais e
viveu lá até morrer. Só saía para ir ao Centro de Saúde.
- Como será se viver assim? Quis
instigar um outro do banco.
- Acho que o Adolfo tornou-se um
solitário. Não o quis; na verdade ficou assim. Cá pra mim foi por causa de um
relacionamento que teve ainda jovem. Cheguei a conhecer a rapariga quando namorava
a falecida Isaura. Acho que chegaram mesmo a estar noivos, mas ao fim a
rapariga desistiu do casamento, porque conheceu outro rapaz por quem apaixonou-se.
Soube por ele que viria casar-se mais tarde. Foi nessa época que começou-lhe o
vício do tabaco que acabou o levando…
- Morreu solteirão – disse
lacônico o que havia instigado a discussão.
- Às vezes me passa pela cabeça o
que é viver sem mulher. Não nasci para ser padre e isso também não era pro Luís.
Falou sorrindo como quem pedia aprovação e continuou.
- O que o Luís mesmo gostava era
ficar a admirar as raparigas bonitas, mas ficava por isso. Não era de mandar
piropos ou coisa assim. Acho que imaginava-se mais novo, buscando uma noiva com
quem casasse e formasse família… lembram como gostava de miúdos?
O velho lembrou do amigo de sua
juventude, abaixou-se com dificuldade para falar com um pequeno que chorava por
ter tropeçado mesmo ao seu lado. Reconheceu na memória aquele íntimo
verdadeiro, sentiu saudades e disse: O Luís tinha bom coração… deixou de
crescer quando foi recusado pela noiva e como um rapazote brigou com a vida até
o final…
- Olha que já chove de novo!
Disse o instigador desinteressado do comentário do velho.
Comentários
Enviar um comentário