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Havia muito tempo que o velho não
escolhia um presente, principalmente um brinquedo. Andou horas no “chinês” a
vasculhar aquilo tudo, e havia de tudo ali. Chegou a deparar-se, duvidou
entretanto do que viu, com um artigo erótico que teve o cuidado de esconder da
vista das senhoras ou d’algum puto que passasse por aqueles labirínticos
corredores da loja. Para os seus olhos desacostumados com tantas opções; jogos,
bonecos a pilha, peluches, brinquedos com comando, achava esses, mesmo
curiosos, resolveu enfim comprar uma prosaica violinha de madeira que chamou sua
atenção pelas pirogravuras que a decoravam. Lembrou-se que sempre quis tocar um
instrumento, nunca realizara esse projeto, encontrava na música realmente um prazer
especial que gozava ocasionalmente, especialmente ao entardecer, quando punha a
almofada mais pequena do sofá às costas no cadeirão, reclinava-se e fechava os
olhos. Tinha alguns discos de vinil que o acompanhavam já há muitos anos. Desfizera-se
da maioria deles, teve muitos… mas os que guardara eram ouvidos raramente no
seu velho toca-discos, ainda do tempo do início do casamento… aquelas músicas
estavam gravadas para sempre na sua memória, conhecia todos os movimentos, os
solos, os alegros, os adágios, e ainda ansiava por chegar aquela parte que mais
gostava… a mesma emoção a cada audição… nunca deixaria de emocionar-se com
aquelas músicas…
O filho da mulher que lhe fazia as
limpezas ia fazer anos e o velho queria presentear-lhe.
Como em toda sexta-feira, naquele
dia após terminar o trabalho, ao vestir-se para sair e levar o lixo para baixo,
gritou da porta ao velho que estava no quarto:
- Já vou! Até pra semana!
O velho respondeu lacônico: -
Obrigadinho!
Ao lembrar-se do presente, correu
à porta para chamar a mulher.
- A senhora por favor espere! – disse
ele afogueado por ter corrido do quarto à porta de casa.
A mulher voltou de baixo ainda
com o saco de lixo à mão.
- O que faltou senhor?
Era uma emigrante de leste, como
muitas que trabalhavam nas limpezas e que rapidamente aprendiam o idioma com
algum sotaque.
O velho foi ao quarto e voltou com
o singelo embrulho nas mãos.
- Lembrei-me que seu menino faz
anos amanhã e comprei-lhe esta lembrancinha… espero que vá gostar.
A mulher abaixou o saco de lixo
no chão e completamente surpresa, ao pegar no embrulho que não disfarçava o
conteúdo, devolveu-lhe sem pensar um balshoie
spassiba! (muito obrigado) com um sorriso de orelha à orelha… O velho ficou
contente e perguntou-lhe: - Quantos anos faz o pequeno?
- Nove. Disse ela emendando: -
Está muito bem na escola, é um bom filho e ajuda-me em casa, fala muito bem o Português
e às vezes até me ensina… Sorriu ao lembrar disso. - É um presente de Deus esse
meu filho. Quando chegamos ele tinha quatro anos. Foi muito difícil para ter a
casa…
Não sabia falar o Português… Ia
entristecendo ao lembrar desses tempos. - Muita dificuldade… depois melhorou
porque a associação ajudou e consegui trabalho. A associação ensinou Português…
agora o marido voltou porque não tem trabalho mas eu fiquei. Se ele encontrar
trabalho também vou voltar… gosto daqui… o Vlad vai gostar muito do presente… como
sabia que ele gostava de instrumento de música? Ele quer aprender… não tenho
dinheiro para isso… o pai dele toca muito bem… a balalaica… o senhor conhece? É
muito bonito… a balalaica… a música…
O velho disse ainda a segurar a
porta: - É bela a música!
A mulher apanhou novamente o saco
de lixo e despediu-se muito feliz, agradecendo novamente em Português: - Muito
Obrigada!
- Parabéns ao menino! Incentive-o
a tocar!
Despediu-se e ao fechar a porta
resolveu não esperar pela tarde para ouvir um daqueles discos naquela
sexta-feira…
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