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A chuva fina havia dispersado o
grupo da praceta. O velho seguia de guarda-chuva aberto na direção do mercado.
Precisava de alho. Havia feito compras ontem mas esquecera do alho. À porta foi
abordado por um pedinte. Procurou nos bolsos uma moeda sem encontrar nada para
dar. Desculpou-se com um sorriso e um olhar muito claro e direto dizendo - Na
volta há troco…
Todos naquele mercado conheciam o
velho. A senhora dos reparos de roupas, a florista, o ucraniano dos consertos
de calçados. Era uma figura bem conhecida ali. Apanhou uma cesta apesar de só
precisar comprar um pacote de alho. Olhou de viés para o preço enquanto
escolhia aquilo que achasse melhor. Não estavam bons os alhos. - Estão velhos.
Comentou a falar baixo.
- E caros! – Disse um outro que
também comprava.
- É verdade, tudo encareceu muito
– Concordou o velho.
- Isso assim não vai acabar bem!
A vida está muito difícil e a gente não consegue pagar esta carestia para
comprar comida! – Exclamou o senhor de meia-idade, com grandes embalagens de
comida para gatos no carrinho. O velho lembrou-se do seu amigo felino e
perguntou: Estão em promoção?
- Só assim se pode comprar. Temos
que procurar sempre as promoções. Eu não compro nada que não esteja em
promoção. Fico atento à TV e aos reclames que vêm no correio. Já viu que o
leite também está em promoção? Só não compro porque já não há quem o tome em
casa… - Disse com uma certa nostalgia num lampejo de lembrança.
- Obrigado por dizer – respondeu
educadamente o velho ao mesmo tempo que punha o alho na cesta e cruzava os
braços olhando seu interlocutor com interesse.
O outro sentiu-se a vontade para
continuar.
- Antes comprava sempre leite
porque o filho enquanto ainda estava em casa bebia muito leite… hoje eu e a
mulher vivemos sós sem o filho que saiu de casa.
- Casou-se? Perguntou o velho.
- Ainda é jovem. Está a estudar
em Braga. Encontrou trabalho por lá e conheceu uma rapariga na faculdade com
quem namora. Quase não vem aqui e pouco liga aos pais… Disse num misto de
orgulho e saudades.
O velho sorriu e completou – São
jovens…
- É verdade, fomos jovens também
mas não fazíamos dessas coisas com nossos pais. Quando saí de casa para a tropa,
não voltei mais a morar com eles mas não deixava de visitá-los todos os meses.
Minha mãe não ficava sem um beijo e meu pai sem um abraço. Não havia telefone e
carro. O dinheiro era certo pro comboio como certas eram as prendas que levava…
O velho lembrou-se de seu pai
quando este recebeu o primeiro presente comprado com o salário do primeiro
emprego…
- É importante não esquecer dos
pais… seu filho também não esquece…
- Não esquece mas não telefona ou
vem nos visitar – contrapôs amuado o senhor.
O altifalante do mercado anunciou
a promoção dos pãezinhos que saíam aquela hora.
- Tive gosto em conversar
consigo. Vou apanhar o pão, adeus! – Disse o senhor.
O velho despediu-se lembrando do
suéter que tinha comprado pro seu pai e que tinha ficado muito grande para o
seu talhe.
Separou do troco um euro para dar
ao pedinte mas este já não lá estava.
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