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Acordou de bom humor naquele dia. Gostava muito da técnica que o tratava. Apanhou o autocarro a caminho da sessão de fisioterapia que fazia toda terça-feira. O coletivo estava cheio e o lugar para idosos estava ocupado por outro senhor. Posicionou-se ao seu lado. A princípio o contato foi evitado pelo que estava sentado, mas achando-se mais novo convidou-o a sentar-se. O velho agradeceu mas recusou. Como o outro insistiu acabou por aceitar. Retribui pousando ao colo a bolsa que o outro trazia e o contato ficou por ali. Desceram na mesma paragem e o velho reparou que iam na mesma direção. Ao entrar na clínica de reabilitação o outro disse - Afinal viemos juntos!

O velho sorriu simpático e respondeu jocoso – Tínhamos marcado pois não?

O que lhe traz aqui? Perguntou o outro

- Venho tratar desse menino aqui que só me dá trabalho! – Respondeu o velho apontando o joelho esquerdo.

O outro sorrindo disse-lhe que vinha a sua hidroginástica. Tinha sofrido um leve derrame já há algum tempo e a reabilitação vinha correndo bem.

O velho sentiu-se obrigado a dizer que tinha sofrido apenas uma queda em casa…

- Tudo nos acontece com a velhice! Enquanto se é jovem não há problema nenhum, chega a idade e aparecem os podres… atalhou outro com alguma frustração.

- Há coisas piores… amenizou o velho.

O outro falava enquanto guardava seu aparelho de surdez numa caixinha de plástico. Ao abrir a bolsa para pôr a caixa, esta escapou-lhe e o material da bolsa acabou por cair no chão.

- E ainda mais essa! – Ralhou o outro – Essa porcaria de mão também não me ajuda!

O velho quis ajudar mas seu joelho não o deixou abaixar. Desequilibrou-se apoiando se no outro, caindo ambos esfogueados no sofá que estava mesmo ao lado.

- Merda! – Desabafou o senhor enquanto o velho ria da situação.

Os dois ficaram a rir muito até que a tosse os parou…

- Só visto! Disse o senhor - O melhor é poder rir disso tudo!

O velho enxugava as lágrimas com o lenço enquanto recuperava a respiração.

- O senhor veja só… Dá-me tudo errado e estou aqui a rir-me todo… Estou com minhas poupanças presas no BES, o arrendamento vai me aumentar esse mês, meu irmão não me pode pagar o que deve, o conserto da TV comeu o resto da pensão, minha tensão arterial não baixa de jeito nenhum e a mulher cismou de andar zangada comigo! Porque estou a rir? Perguntou sorrindo como se todas as preocupações não valessem de nada.

O velho recomposto e ainda a sorrir perguntou quase enigmático:

- O que valem os nossos problemas?

- É verdade… há mais para sorrir que chorar… - disse o senhor resignado com ares de grande sabedoria… Bem, tive muito prazer em encontrá-lo. Está na hora da minha sessão, continuações de um bom-dia…

O velho apertou-lhe a mão e disse brejeiro, ainda a brincar: Só lhe sinto pela mulher porque é pena não ganhar beijinhos…

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