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A notícia do Lima o apanhara
desprevenido. Ainda há um mês haviam conversado pelo telefone, a cobrar a
eterna visita. Um mal-estar do nada e a internação às pressas. Pouco mais soube
pelo Carlos, daquele coração amigo que tinha-lhe pregado um susto…
A amizade já lá ia há uns bons
anos, desde os tempos de África, e mantida sem falhas, com telefonemas
regulares e alguns encontros nos cafés. O Carlos, amigo também dessa época, lhe
disse que depois do almoço de domingo, queixara-se de uma pequena dor no braço.
O filho mais velho que estava com ele achou por bem levá-lo ao hospital e lá
ficara. Não era grave mas tinha sido um princípio de enfarto. Lembrou-se de
Lourenço Marques, quando o Lima o levara a um hospital por causa das dores que
sentia no braço. Achou curioso o enfermeiro ter-lhe perguntado se era dor ou dormência… achou irrelevante a pergunta... descobriu nessa ocasião sua hérnia de disco.
O horário das visitas começava às
16:00 mas ele tinha chegado mais cedo. Não gostava nada de hospitais. Encontrou
o Lima distraído a olhar pela janela. Para não o assustar pediu a um enfermeiro
que o avisasse da sua presença. Com um sorriso aberto foi recebido pelo amigo
visivelmente surpreso.
- Ora, ora, quem eu vejo aqui! -
Disse o amigo com os braços levantados no emaranhado de cabos dos aparelhos à
sua volta.
- Se Maomé não vai a montanha… -
emendou o velho apertando-lhe com as duas mãos a mão interligada do amigo.
O Lima embora reformado ainda
mantinha vida ativa. Estava bem conservado não aparentando a idade já avançada.
Trabalhava como autónomo desde que se formara na especialidade.
- Só o senhor mesmo para me fazer
vir a um hospital… e pelos vistos não sei o que faz aqui por que está com um
ótimo aspecto! O que aconteceu?
- Não passou de um susto.
Sinto-me bem. Terei alta na quinta-feira... mas agora já não sei se saio daqui,
por conta desse susto de verdade em revê-lo em carne e osso meu amigo!
Sinceramente não esperava reencontrá-lo nessas condições! A última vez que nos
vimos foi lá em Oeiras…
- Quem é vivo aparece… disse o
velho sem fugir às frases comuns, incomodado por estar num hospital, mas
principalmente aturdido por defrontar a fragilidade do homem, sua própria
vulnerabilidade. Ao fato incontestável de morrermos num átimo… desdenhando todo
o tempo que passamos pela vida. – Sempre tiveste bons hábitos amigo Lima, não
tarda não terás mais desculpas para ir visitar-me. Vamos comer umas ameijoas
com aquele branco alentejano que tu gostas… Há muita conversa para pôr em dia…
- Meu amigo… não sabe a alegria
que me dá poder tê-lo aqui à minha beira. Você de quem eu ando afastado vem cá
ter comigo e os que eu frequento a ficarem-se pelas mensagens… Esses dias passados aqui,
nessas circunstâncias, fizeram-me pensar nessa vida em que insisto levar. Você
sabe, desde que o mais novo foi-se embora, eu e a mulher praticamente vivemos
separados, praticamente vivo fora de casa, com a mala às costas, sem a sua
companhia e sem ser companhia dela. Não é uma estupidez? Isso não é
preciso! Para quê tanto sacrifício? De uma hora para outra já nem estamos cá…
O velho lembrou do tempo em que
também trabalhou longe de casa. Eram outras as condições, mas tinha tomado a
decisão certa. Tinha decidido viver em casa com sua Zezé…
- Não está na hora de parar um
pouco Lima? Não seria melhor para vocês agora? Sua mulher também , estou certo,
não gosta nada de vê-lo afastado… Já não precisa disso…
- Não me sobra o dinheiro…
atalhou o Lima. – Não me parece que faz falta para vocês dois! Replicou o
velho. – Vejam lá que não será por causa do dinheiro. Façam contas e vivam com
suas pensões. É certo viver melhor com menos mas juntos! Digo por experiência
própria… porque não alugam a casa de Torres Vedras? Já não há mais filhos para
aqueles quartos. Vão morar para Lisboa num apartamento menor, mais próximo dos
amigos…
- Os amigos já não são tão
próximos… respondeu o Lima voltando os olhos para a janela…
- Faça outros! Mais vale um
conhecido que apareça que um amigo que não atenda aos convites! Meteu-se com
ele o velho que sorria a procurar algo nos bolsos do paletó.
- Vou deixar isso aqui ao seu pé
para não esquecer e arrumar mais desculpas!
Arrumou na mesinha uma foto
antiga em Moçambique, quando os dois uma vez fizeram um passeio à Inhaca.
O velho despediu-se pedindo
futuras notícias. Abraçou o amigo recostado na cama. Reparou-lhe os olhos
molhados e as palavras que não chegou a dizer…
- Saia daí logo e pense no que
eu lhe disse!
- Obrigado meu amigo! O vinho
levo eu!
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