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O elétrico parara. As janelas
estavam baixadas e o fumo cheiroso das castanhas a assar lhe entrou pelo nariz.
Ele sorriu com suas memórias… Era a época dos dias ventosos, das folhas dos
plátanos pelo chão… Lembrou daquela avenida ladeada deles, quase nus, quando
ainda era jovem, a caminho da escola. O sacolejo do coletivo abriu seus olhos
ainda a fitarem a lembrança. Gostava daquela estação, da calma que precedia os
tempos agrestes e punha fim à agitação do Verão. Resolveu que antes de seguir
para casa iria à praia.
Seguiu o caminho contrário à
maioria dos outros que dirigiam-se para a vila. Tomou o caminho da praia pela
avenida que tanto gostava. Respirou fundo a maresia que o vento trazia e de
mãos nos bolsos, lá seguiu devagar para aproveitar aquele momento. Quantas boas
lembranças tinha, quantos anos se passaram. Lá estavam aqueles plátanos que
tanto gostava. Aqueles mais pequenos plantados no início da avenida àquela
época, já crescidos, disseram ao velho que o tempo tinha passado, mas ainda
lembravam-se bem dele; do seu tapa forte no tronco que costumava dar. Um
costume estranho que ele tinha. Achava que quanto mais forte o tapa na madeira,
mas longe afugentava a morte… Cada qual com suas manias…
O areal da praia estava vazio. Um
ou outro passeava o seu cão, longe na distância. Aconchegou a gola do casaco no
pescoço e enterrou mais o boné na cabeça. Resolveu descer as escadas. Quis
pisar a areia. Não tinha vindo preparado ou com a intenção disso. Quis chegar
perto do mar… O frio incomodava mas o prazer das lembranças compensavam muito
mais…
Franziu os olhos a buscar alguma
coisa no cinza do horizonte. O mar encarneirado, maldisposto, perguntava-lhe o
que fazia ali, parado a apanhar aquele frio. O velho pensou que na natureza,
como na vida, tudo passa. Que os maus momentos um dia terminam, do mesmo jeito
do que é bom acaba… Que as estações passam e se repetem, mostrando para quem
puder ver, que a vida se renova a cada ciclo, e que quando tudo parece ser o
fim, nova luz se faz num novo reinício.
Uma rajada mais forte o fez
agachar. Ele reagiu. – Vai-te! – Gritou para o vento. Empertigou o corpo e
abriu bem os olhos. Apesar da fragilidade do corpo, aprumou o espírito e deixou
que o vento o castigasse… - Venha! – Disse agora desafiando o tempo. Já não era
contra o estado do tempo que brigava mas contra o tempo que passava…
O frio que batia no seu rosto lhe
deu a mais absoluta certeza que era apenas uma estação, e que como todas ia
acabar para começar uma outra, que ele naquele momento quis com toda sua
vontade e esperança que viesse…
Sentiu-se ainda um homem rijo,
ali empertigado no vento frio da praia, satisfeito por ter desafiado o tempo. –
Venha! Vamos começar tudo novamente!
O caminho de volta fez mais
rápido. O tapa no tronco do último plátano soou mais forte. Na passagem
subterrânea da estação do comboio cruzou-se com um grupo de rapazes com
pranchas de surfar que seguiam para a praia. Sorriu.
Vamos começar de novo!
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