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Naquela manhã apeteceu-lhe sair
para fazer o pequeno-almoço no café da praceta. Estava sol e queria estar com
pessoas. Após sua habitual toilette, decidiu estrear a camisa pólo que ganhara
da sobrinha sem dispensar o suéter. O banco de costume da praceta ainda estava
vazio àquela hora; cumprimentou o lixeiro, seu conhecido, que ali trabalhava e
seguiu para a esplanada do café. Era cedo e ainda havia mesas vazias. O
empregado do café de há muitos anos o cumprimentou, surpreso de sua presença
que não era habitual.
- Muitos bons dias! – Disse a
limpar a mesa enquanto retirava a loiça.
- O que vai ser? O senhor aceita
o jornal?
O velho sorriu agradado da
receção. Aceitou o jornal. Pediu um abatanado e um bolo de arroz. O empregado
comentou a manchete do jornal. O velho não fazia ideia do que tinha dito. Não
acompanhava mais as notícias diárias. Achava tudo aquilo desinteressante e
cansativo. Apelações para serem vendidas à coscuvilhice dos que pensavam
participar do cotidiano… para ele exatamente o contrário; passividade de quem
via a vida a passar sem refletir… houve tempo em que os jornais traziam opiniões
e ele os lia buscando argumentos para suas discussões… agora tudo se resumia a
vender o que se comprasse…
O café soube bem àquele sol de
outono, deu-lhe prazer a bebida quente sob o ar ainda frio daquela manhã. Não
passou da primeira página, fechou o jornal e passou a observar à sua volta. Cães
a passear com seus donos, crianças com seus pais nos baloiços, meninos em bicicletas
e a feirinha de velharias que começava a ser montada do lado oposto ao café.
Uma manhã de domingo como tantas outras, pensou ele; e viu mais atentamente.
Quanta movimentação e ao mesmo tempo quanto isolamento. As pessoas pareciam
estar somente a ocupar o espaço como modelos para um quadro… não havia interacção,
calor... Todos formais e circunspectos, desempenhando seus papéis numa espécie
de filme mudo…
No café chegavam mais clientes.
Feitos os pedidos, mergulhavam nos seus jornais silenciosamente. Os mais jovens
consultavam seus telemóveis freneticamente. Poucos conversavam, e estes poucos,
laconicamente… O barulho do moinho do café era o único som a ocupar aquele
lugar cheio de pessoas…
Uma senhora veio sentar-se ao seu
lado com uma criança. Muito distintos e bem vestidos, observou. A criança
estava mesmo toda janota num fatinho azul. A senhora fez o seu pedido enquanto
acendia um cigarro; a criança permanecia imóvel. Passado algum tempo e alguns
cigarros, sempre a falar ao telemóvel, disse num tom de voz áspero ao menino
que chorava por ter deixado cair sua caixinha de leite.
– Filho! Não chores filho!
A criança engoliu o choro
enquanto a mãe ocupava-se limpando sua roupa. O velho sorrindo devolveu ao
menino a caixinha do chão. A mãe agradeceu polidamente ao velho. A criança
continuou imóvel e calada enquanto a mãe continuava ao telemóvel. Pediram a
conta e foram-se embora. O menino afastou-se com o seu fatinho, de mãos dadas
com a mãe, olhou para trás e sorriu acanhado para o velho.
– Finalmente vejo alguém a
comunicar… Falou o velho com seus botões…
Levantou-se. Quis despedir-se do
empregado mas este ocupado não o viu sair. Procurou o menino mas não o viu
mais. Olhou para o banco da praceta. Lá estava o Tozé sentado com as mãos nos
bolsos, ainda sozinho naquela hora. Aproximou-se ansioso.
- Bom dia! Como vai isso? Cumprimentou
o velho ao sentar-se do seu lado.
- Mal. Respondeu o outro. - Estou
muito constipado e acho que não devia ter saído hoje de casa. Levantou-se despedindo-se
apressado do velho.
Ele ficou ali sentado. Cercado de
tanta movimentação mas absolutamente sozinho… Olhou para o relógio e calculou.
- Acho que daqui a nada há-de
chegar alguém para conversar…
Voltou a olhar para o relógio.
Levou-o ao ouvido e pôs-se a dar-lhe corda…
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