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O velho acordou entusiasmado.
Inscreveu-se numa excursão organizada pelo Centro de Dia da freguesia. Não o
frequentava mas tinha ali muitos amigos de juventude e às vezes passava por lá
para uma conversa. A assistente social o convidara a ir num grupo a Setúbal
para um convívio. O João Coelho, esse amigo de infância, também iria e isso
acabou por convencê-lo. João não gostava de ficar como os outros a frente da TV
a dormir. Gostava de ficar na garagem do centro a restaurar cadeiras com seus
trançados. O velho ficava ali com ele longas horas à tarde a discutirem Filosofia,
assunto que ambos gostavam. Ficou em dúvida sobre o que vestir. Não fazia frio
mas achou por bem sair prevenido com um casaco. Escolheu uma boina como quem
escolhia uma gravata e lá partiu.
Bem antes da hora marcada, o autocarro
já estava completo e a animação corria à solta. Os homens em grupo ao fundo e
as senhoras à frente devidamente vestidas e excepcionalmente maquilhadas para o
evento; algumas traziam chapéuzinhos de palha como nos tempos da escola básica,
outras não dispensaram uma merenda. Todos portavam um cartão plastificado pendurado
ao pescoço com nome e fotografia; as brincadeiras com as fotos foram
inevitáveis. A excitação era grande e contrastava com o desânimo preguiçoso do
motorista que fumava afastado, encostado a um muro.
O velho sentou-se ao lado de João
que ia à janela. Atrás, outros brincavam a puxar seus bonés como se ainda
fossem os meninos que foram. O motor ligado arrancou algumas palmas logo
trocadas pela passagem silenciosa das imagens pela janela.
Era dia de feira em Setúbal e o
centro estava animado. A descida do autocarro foi demorada. Em fila seguiram
para uma visita ao Mercado Municipal farto de pescados.
- Ó João olha pra isto! – Disse o
velho com uma sapateira enorme nas mãos. O amigo destacando-se do grupo, não
deu muita atenção porque estava interessado numa loja de artesanato onde havia
miniaturas de cadeiras de palha. O velho distanciando-se com os outros, acabou
por entreter-se com o guia que falava sobre a procriação das percas do Sado. Ao
saírem pro almoço num restaurante deu por falta do amigo e avisou ao guia.
Procuraram na loja e ele já não lá estava. Decidiram seguir para o restaurante
e iniciar o almoço enquanto os responsáveis pediam ajuda à PSP.
O velho não conseguiu almoçar. O
grupo já se preparava para o retorno quando um policial apareceu com a boina do
João. O velho que já estava na fila à porta sentiu-se mal e procurou uma
cadeira. Ouviu atento o relato.
- O senhor da loja devolveu-me a
boina que o Sr. João deixou lá. Disse que o vira a conversar com um cigano à
porta do mercado e que depois saíram os dois juntos na direcção da praça. Não se
preocupem porque já estamos em busca. Ele estava identificado?
- Sim. Há o nosso telefone no
cartão de identificação. Respondeu o guia demonstrando alguma apreensão.
Precisavam partir.
Ao dirigirem-se para o auto
carro, o velho viu o amigo aproximar-se escoltado por um policial. Sorriu de
alívio e gritou: - Ó João, onde te meteste?
Já sentados de volta à casa o
amigo contou o sucedido.
- Fui à casa de banho e na volta
já não vos encontrei. Havia por ali um senhor muito distinto que ofereceu-se
para ajudar. Disse-me que levaria ao grupo mas pediu-me que o gratificasse com
algum… Pensei: Já estou encravado com os vinte euros que tinha no bolso. – Eu
concordei.
- Ó João, então não viu que era
um burlão? Queria o seu dinheiro! – Disse o velho.
- Não tive escolha. Segui-o até a
praça onde outros penso que seus amigos comerciavam roupas numa feira. Depois
de uma breve parada levou-me pelas ruas do centro e aí então comecei a duvidar
de sua honestidade… - Senti-me em perigo mas não tive medo.
Um outro que ouvia a narrativa
exclamou: - Ele ia roubar-te e depois quem sabe o que te fazia…
Uma senhora que também
acompanhava disse num misto de pavor e revolta: - Pela Virgem! Não digas isso!
São uns bandidos! Deus nos valha!
O amigo continuou: - Paramos o
caminhar e quando pensei que já não escapava, apercebi-me que estávamos à porta
de uma esquadra. Ele pediu-me dinheiro, eu o dei e o resto da história já está
vista…
- Ena! Tiveste mesmo sorte João!
Podia ter corrido mal. Desabafou o velho.
- Tive! Mas tive que lho dar
vinte euros! Deixei-os de gastar no mercado para acabar por entregar-lhe pelo
favor.
- Que importa isso Sr. João!
Estás bem e connosco! Falou o guia que também participava.
- Pois! É verdade. Deixo para
outra vez comprar uma cadeirinha pintada muito bem feitinha que vi no mercado…
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