15
Regava a salsa, o coentro e o
manjericão que cresciam na sua janela da cozinha. Tinha adquirido o hábito de
sua mulher de cultivar ervas aromáticas em casa. Sempre gostou de plantar. Por
onde passasse, levava alguma semente para depois. Preparava seu parco almoço e
queria o coentro para temperar a posta de peixe que cozia. Enquanto fazia o
comer, o gato a farejar veio à cozinha.
- Aqui não tens nada pra ti… -
disse ao gato que olhava para cima. Ele pareceu entender, voltando-se para sua
tigela de ração.
O gato o fazia falar. Às vezes,
quando saia, ao encontrar-se com alguém, sua voz pigarreada custava a sair.
Lembrava-se que até aquele momento do dia, ainda não tinha pronunciado uma única
palavra…
Sentia falta de conversar. Não
gostava das conversas da praceta que achava fúteis e pouco inteligentes. Sentia
falta das discussões vivas que tinha com os amigos nos tempos do liceu.
Entendia-se comunista naqueles tempos e não parava enquanto o outro não
desistisse de se opor. Sorriu-se ao lembrar da ingenuidade dos jovens. Hoje
descria de qualquer doutrina ideológica. Para ele, só havia um ponto comum em
toda história do homem que o fazia mover-se; seu interesse egoísta. Achava-o
natural e salutar desde que houvesse algo que lhe impusesse limites. Não era
religioso mas tinha fé. Em jovem considerava-se um otimista quando não havia
lugar para credos. Com o tempo passou a crer em Deus e na alma, achou mesmo que
isso acontecer-lhe-ia mais cedo ou mais tarde. Achava ser inevitável ao homem
descobrir sua pequenez. Que terrível não seria a vida se não fosse assim…
Lembrou de um senhor que tinha
conhecido há alguns anos. Provavelmente já teria falecido e quem sabe não
estaria agora convencido…
- Hoje é um dia que me custa
muito… - disse o conhecido que ocupava-se de um conserto, na garagem do
edifício em que moraram. - O 15 de fevereiro é o aniversário da morte de meu
filho. Nunca me vou conformar por esse filho querido ter-se ido antes de mim…
- Sr. Alfredo, não pense assim.
Devemos sentir saudade e não tristeza. Saiba que o que morre é o corpo. Seu
filho continua vivo em algum lugar que Deus lhe destinou… - quis consolar-lhe.
- O que vale é se estivesse aqui…
eu o vendo. Não acredito que esteja vivo… você me desculpe mas não acredito em
sua religião. – Respondeu-lhe fechando-se na sua dor. Sentia ele próprio o
sofrimento daquele homem, a imaginar como seria árido o deserto de uma vida sem
fé.
- Pois saiba que não morremos Sr.
Alfredo. Se ainda não acreditamos de todo, então que pelo menos aceitemos e
vivamos melhor assim…
- Sou um bocado agnóstico… sabe…
sempre vivi dessa forma. Nada me pode tirar esse sofrimento. Prefiro viver
assim, sem ilusões.
- Não é uma ilusão. Ouça. O
senhor pelo menos como católico por nascimento, procure uma igreja que lhe
agrade, uma capela, um lugar onde possa estar em paz e silêncio. Faça um
pensamento bom para seu filho… tenha a certeza que ele vai ouvir-lhe e
sentir-se feliz…
- Já fiz isso. É a primeira coisa
que faço quando acordo todo dia 15 de fevereiro…
O velho a lembrar-se daquele diálogo
sentiu-se confortado em sua fé. Estava convencido que para cada um haveria de
chegar o dia dessa conclusão. O espírito é imortal.
Pensou em sua mulher. Ela mesmo
convenceu-se, já madura, na imortalidade da alma. Ele acreditava que quando
pensava nela, ela o ouvia e sentia-se feliz por ser lembrada…
O grito do gato ao pisar-lhe a
cauda o tirou daqueles pensamentos. O cheiro dos coentros que coziam abriu-lhe
o apetite. Lembrou que a mulher gostava de peixe cozido e, como do nada, sentiu-se
feliz…
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