Uma bica sff (se faz favor)
Ainda comentando o pitoresco
lusitano, é impossível não falar de certos hábitos que não deixam de espantar o
incauto visitante brasileiro.
O pessoal aqui respeita mesmo o
sinal vermelho. Se tá amarelo, freia (dizem trava) porque o que vai na frente
vai parar mesmo que seja de madrugada e não haja viva alma na rua. Na primeira
vez que saí do hotel quando cheguei, fui caminhar até um restaurante. Parei
numa esquina para um carro entrar na rua e o motorista parou. Fiquei o olhando,
achando que estava fazendo alguma coisa errada ou estava fantasiado de
brasileiro. O motorista fez sinal com a mão para eu passar e foi aí que percebi
que o peão, como chamam o pedestre aqui, para mesmo o trânsito ao atravessar a
passadeira (a faixa). Sorri e atravessei a rua todo ancho.
Qualquer restaurante, mesmo uma
tasca (botequim que serve comida) é impecável! O banheiro está sempre limpo e
as mesas estão postas com todos os copos. Se não pedir vinho; um pecado aqui,
tiram chateados todos os copos e ficam esperando curiosos o que vai pedir para
beber. Se pedir Coca-cola vê-se logo a coincidência do sotaque. A ementa (o
cardápio) está cheia de nomes de carnes e peixes que nunca se ouviu falar,
todos deliciosos, mas confesso, quando descobri o que era bitoque, não parei de
pedir bife com ovo estrelado e batatas fritas. Come-se devagar e bem, bebe-se
com gosto o vinho e trinca-se satisfeito o pão. O comer é uma arte e prazer que
está entranhado no modo de vida português.
Vestem-se de maneira muito formal.
Fui uma vez a uma feira de ciganos e estavam lá pessoas a comprar meias,
vestidas de fato (terno) e gravata… São sóbrios nas cores e babados. Logo no
início vestíamo-nos com camisolas (camisetas) coloridas e os indefetíveis
chinelos de dedo. Com o tempo fomos mudando e numa das idas ao Brasil, minha
cunhada compadecida disse a minha mulher: - Coitado do seu marido! Parece que
vai a um enterro! Só tem roupa escura e calça comprida… Vou comprar umas
camisetas e uma bermuda pra ele…
Criança aqui não é muito mimada
não. Uma vez estava num café e vi sentados a uma mesa, uma mãe com seu filhinho
que chorava sentadinho, todo aprumado no seu fatinho (roupinha). A mãe não fez
mais que dizer calmamente: - Filho, não chores… A criança parou de chorar e
continuou a comer seu bolo, enxugando sozinha os olhinhos com as mãos… Só essa
minha narrativa cheia de diminutivos já diz tudo do olhar de um brasileiro…
Café é coisa séria. Ninguém toma
um cafezinho assim de passagem numa brecha de tempo. Vai-se ao café, senta-se, espera-se
pelo empregado, pede-se uma bica (expresso) e pergunta-se pelo jornal. Pode
ocupar a mesa o tempo todo, até terminar de ler o jornal e o passar para um
outro freguês que, com certeza, está de olho a espera ao lado. Se quiser fazer
uma exorbitância de tempo e despesa, pode pedir o inseparável pastel de nata.
Além de delicioso, é ótimo passar algum tempo fazendo isso; como se tivéssemos
pedido pro mundo parar, pra descer só um instantinho…
Bom, ir à praia no Verão é tudo
de bom! Espera-se o ano todo por isso. E espera-se mesmo porque se não for no
Verão, não dá pra entrar na água. Toda gente vai de férias ao mesmo tempo. Chegam
completamente vestidos e saem do mesmo jeito, alguns, enrolados numa toalha
para tirar o calção e vestir a cueca, ali no meio de todo mundo… Leva-se o
guarda-sol, que só pode ser usado fora das áreas concessionadas para exploração,
a cadeira, a toalha e até mesmo um pequeno farnel que a família toda reparte
com gosto. Brinca-se à bola, com os baldinhos de areia e comem-se muitos
gelados (picolés) que vão comprar, depois de uma fila enorme nos quiosques da
calçada. Há pouquíssimos vendedores ambulantes, e quando passa um, adivinha só
o que está vendendo? Aquilo que é o mais típico das praias portuguesas: Bolas
de Berlim! Imaginem só, são os nossos sonhos, aqueles doces cheios de açúcar recheados
com creme. É tudo o que o português quer, comer aquilo com a mão toda suja de
areia…
Quanto a mim? Bem, ainda não dá
pra assimilar tudo. Fico doido esperando sentado alguém passar vendendo
cerveja, filtro solar, biquíni, óculos de sol, sorvete, biscoito, mate, sanduíche,
jornal, rifa, seguro de vida, sapato, panela, avião, jazigo perpétuo e
liquidificador…
Texto delicioso. Vamos logo conhecer esse país irmão tão simpatico.
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