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Não queria que aquele livro
terminasse, lia-o aos poucos. Dava a impressão que seria o último e que não haveria outro igual.
Guardado há muitos anos, estava ali separado para os dias tranquilos da velhice… Uma extensa obra literária que poucos conheciam.
Falava das impressões de alguém num país estrangeiro que admirava…
Identificou-se totalmente com os pontos de vista do escritor, sentindo até um
certo alívio por alguém ter percebido e dito aquilo que teve mantido ao longo da vida
como princípios. Fechou o livro com um gosto de convicção e triunfo, arrumando-o de volta com carinho no seu lugar especial na estante...
Foi à cozinha preparar o lanche da tarde, sentia mesmo fome. Enquanto mastigava as bolachas que molhava na meia-de-leite,
olhou o relógio e decidiu que ainda havia tempo para buscar a calça que havia
posto nos reparos. Estava bom tempo e achou que valia a pena aproveitar aquele
fim de tarde. Intimamente queria encontrar-se com alguém para conversar, estava
ainda inebriado pelas impressões do livro que terminara. Tinha um fraco pela
História e a Economia. Seus colegas da praceta não tinham pachorra para
filosofias…
À saída do edifício encontrou-se
com a vizinha do 2º direito. Cumprimentou-a rapidamente evitando suas
lamentações de costume. Saiu a caminhar revigorado pelo ar fresco da rua.
Sentia-se bem-disposto. A confirmação de suas convicções fazia-o sentir-se mais
seguro e resoluto. Lembrou da mulher, sua ouvinte paciente das longas
dissertações que costumava fazer aos pequeno-almoços...
- Gosto de ouvir-te… - dizia ela
com ingenuidade e admiração. Ele respondia com um sorriso de orgulho… Uma buzinadela o fez
atravessar a passadeira, despertado dos seus pensamentos em pé no passeio.
No centro comercial passou pelo
Vasquez para um aperto de mão e dirigiu-se à senhora dos reparos. Ela o reconhecendo, cumprimentou-lhe para logo depois o recriminar. – Mas como o
senhor ainda quer recuperar essa calça! São tantos cerzidos que o tecido já não
aguenta! – Disse-lhe sorrindo a brincar.
- Já me acompanha há muito tempo
e não tenho intenção de deixá-la… - respondeu o velho sorrindo também a
brincar.
A senhora dos reparos enquanto
punha a calça numa sacola falou-lhe aproveitando para conversar um
pouco:
- O senhor sabe. Às vezes o que
se gasta no reparo compensa comprar uma nova. O tecido desta calça é muito bom,
vê-se que é de qualidade, mas já está muito usada… fiz o que podia… acho que já
cumpriu o seu papel e agora merece a reforma… - Sorriu de novo.
O velho ainda insistiu que não
tinha intenção de comprar uma calça nova. A senhora discorreu os seus
argumentos:
- Quando ainda é nova vale
a pena reparar. Ganho eu o dinheiro do meu trabalho. Quando fica muito usada deve-se comprar uma nova. Ganha quem lhe vende e quem fabricou. Fica com uma
calça nova que vai durar mais e assim ganham todos…
O velho educadamente não quis
replicar porque concordava com seu importante ponto de vista sobre a Economia. Pagou-lhe, achou caro, e ainda aproveitou para comprar o que lembrou. Depois de um rápido percurso, tinha comprado apenas
um saco de ameixas em promoção e o detergente de loiça que lhe faltava. Já quase a chegar sua vez na fila
prioritária, resolveu voltar e ver mais uma coisa. Quis verificar os preços das calças.
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