É morto Henrique
Medina Carreira, ex-ministro das Finanças nos primeiros tempos da democracia em
Portugal. Apesar de cedo ter abandonado a política por discordar do rumo que se
tomava na época, continuou a dedicar-se ao país, ao longo dos últimos 40 anos,
com sua crítica dissonante que o tempo mostra ter sido sempre acertada.
Quantas pessoas conhecemos que
trocaram a reles política de interesses de alguns pelo ideal político pelo bem
de todos? Que preferiram a dureza da coerência dos seus princípios às
facilidades do poder? Não se quer tomar partido aqui, senão exaltar a coragem
de quem opta por lutar solitário contra o que a maioria prefere descuidar.
Sua visão objetiva e fala clara
não punham dificuldades a qualquer um que o ouvisse tratar de assuntos de
economia, que na maioria das vezes complica-se com termos difíceis, por uns
quantos que não querem dizer nada. Gostava de dizer que seriam bem entregues os
assuntos económicos de um país à uma dona de casa, porque essa tinha noção de
gastar bem o pouco dinheiro que dispunha.
Pessoas assim fazem falta. Aqui
ou em qualquer lugar. É um alívio ouvir alguém que diga a verdade e contrarie o
que o poder político quer esconder ou impor, em detrimento do interesse
público. Na falta de um adjetivo mais sincero preferiam chamar-lhe pessimista.
Considero que alguém que lute tantos anos por aquilo que defende não pode ser
pessimista e sim o contrário; otimista, por achar que sempre houve oportunidade
de se mudar. Realista sim, preferia tratar frontalmente as coisas como elas
são, ao invés de como os outros, se tentar passar entre os pingos da chuva para
fugir ao que era preciso ser feito.
Transponho para o Brasil.
Defendia ser necessário um verdadeiro ensino voltado para o mercado de trabalho,
investimento público e privado apoiado numa fiscalidade eficaz, legislação
clara e estável, menos burocracia, poder judiciário ágil, sistema eleitoral verdadeiramente
representativo e o compromisso responsável dos agentes políticos encarregues do
governo. Não se reivindica nada de novo, a não ser reivindicar o mesmo
teimosamente, ao longo de todos esses anos em prol do seu país.
Admiro pessoas assim. Admiro seu
estoicismo nesses tempos de desilusão e desesperança, desconfiança e
alheamento. Custa-nos muito vermo-nos desamparados, sem perspetivas de mudança
ou mesmo de encontrar um nome de consenso que personifique lisura e competência
para mudar o rumo. Fazer as coisas certas que todos sabem dizer, mas que é
difícil fazer porque contraria o interesse de poderosos. Não nos podemos
acomodar!
Medina Carreira quis mudar o
rumo. Não conseguiu. Deu-nos a orientação correta. Continuou lutando sem
descanso a sua maneira. Faz-nos muita falta. Aqui ou em qualquer lugar.
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