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Desde que Getúlio foi ensaboado pelo Roosevelt e o Pato Donald foi visitar o Zé Carioca, o Brasil virou-se definitivamente para os Estados Unidos. O que ainda havia de pretensão europeia no modo de vida do brasileiro esfumaçou-se na lei do far-west. Ainda que a Argentina tivesse resistido ao assédio do Tio Sam e se tornado numa respeitável solteirona do Velho Mundo, a mocinha América do Sul acabou por render-se aos encantos do ianque boa pinta.
O brasileiro é em tudo uma cópia do americano; do que tem de bom e de ruim. Filho bastardo de europeus, cresceu assim meio sem rumo até o dia em que se descobriu também uma terra de oportunidades. Deu no que deu.
Em nada olha ou se detém para o que acontece na Europa. Vive mergulhado nas tricas americanas tendo por ideal o seu incólume modelo. Das características americanas mais marcantes, são os brasileiros extremamente consumistas. Compram de tudo independentemente do seu poder aquisitivo. Às prestações à “taxa zero” compram desde o último modelo de celular ao conjunto de panelas. Somos consumidores compulsivos como os americanos, completamente diferentes dos comedidos europeus.
É difícil resistir à pressão do consumo, à avalanche da publicidade e às armadilhas do marketing mesmo aqui por essas bandas. A mudança foi rápida. Nesses poucos vinte anos ainda cheguei a ver moderação nos modos de consumo deste país. Os portugueses que antes poupavam, ou melhor, contentavam-se com pouco, hoje gastam desbragadamente tudo o que ganham. Uma vez vinha conversando ao volante com um colega sobre os poucos carros na rua, ao que ele respondeu naturalmente: - É fim de mês…
Em toda parte gasta-se tudo rapidamente numa ânsia de satisfazer o desejo. Tudo tem que ser rápido para não passar a vontade. A necessidade de ter o que os outros têm é enorme e ter coisas e ostentar coisas cai muito bem à vista de todos. Comprar, comprar, comprar. Somos estúpidos animais consumidores destruidores que não se saciam com pouco. Não pegamos mais no dinheiro em espécie, e ele que a muito custo entra virtualmente na conta ao final do mês, vaza rapidinho pelo cartão de plástico permeável. Não nos importamos com o dinheiro que não vale nada, o que nos importa é matar o nosso desejo... Será mesmo assim?
Tenho notado uma mudança sutil no comportamento dos portugueses nessa época de vacas magras. As pessoas já não aguentam mais essa obrigação de comprar. Não tanto pela diminuição do seu desejo, mas sim pela sensação de que estão sendo levadas a comprar, consumir, transferir o seu dinheiro para os outros e ao Estado ganancioso. Nem sequer têm vontade de manter uma conta num banco, onde se paga por tudo e ainda se corre o risco de ficar sem nada se o banco falir. O melhor é guardar o dinheiro em casa, não pedir recibos e ficar invisível para as Finanças… É uma sensação de que estão sendo explorados por alguma coisa e como consequência, retraem-se lamuriosos e desconfiados.
Acho que se chegou a um ponto de saturação para os padrões europeus. Não se aguentam mais os telefonemas inoportunos, SMS’s de promoções, e-mails de ofertas, encartes de descontos, folhetos nas caixas de correio, enxurradas de anúncios na televisão, vídeos no meio dos jornais digitais, e tudo isso mais que invade ruidosamente as nossas vidas.
Há outras sociedades por aqui e outros modos de se viver. Já se nota o racionalismo e as vantagens de se consumir moderadamente. É uma evolução do comportamento pessoal e coletivo, que respeita as pessoas e o meio-ambiente tão esquecido; de se amadurecer e descobrir finalmente que é melhor estar do que ter. Afinal o Velho Mundo apesar de tudo ainda continua nos ensinando alguma coisa…

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