A Casa
É o lugar onde nos abrigamos.
Desde a caverna que nos protegia dos predadores aos flats inteligentes que nos
acolhem ao fim do dia estafante, nossa casa tem um significado muito
importante.
Ao longo dos tempos, de
simples refúgio a um local sofisticado de conforto e lazer, nossa casa passou
por muitas inovações, como por exemplo uma simples porta que além de impedir
entradas indesejadas, nos dá a sensação ainda hoje de nos resguardar do mundo
quando se fecha...
Quando passamos de
recolectores a criadores e cultivadores fixamo-nos num determinado local onde
houvesse recurso à água e ali habitávamos em grupo, porque assim era mais fácil
dividir as tarefas e contar com assistência quando já não conseguíssemos mais
trabalhar.
Primeiro serviu para dormir.
Para lá íamos ao fim do dia descansar depois do trabalho pela subsistência. O
comer ainda não estava ali incorporado, preparava-se a refeição coletiva fora
de casa no fogo que também afastava os perigos durante a noite. Quando se forma
a família e esta se vê auto-suficiente, sai da casa coletiva e vai habitar sua
própria casa, criando desse modo o conceito de propriedade, ideia essa que tão
fundamental passou a ser um direito.
Nessa fase o fogo passou para
o interior da casa e além de preparar o comer, servia também de importante
conforto contra o frio. Era a criação da cozinha, ainda não separada do dormir
que se fazia mais confortável ao pé do lume...
Estava certo que não se podiam
satisfazer as necessidades fisiológicas dentro de casa porque simplesmente era
insuportável, isso fazia-se afastado da casa. Mesmo a pouca higiene que se
mantinha era realizada fora de casa, junto à água mais próxima que ali
houvesse. Quando por razões de conforto a água pode ser conduzida ou captada
para fazer o comer, também serviu para melhorar a higiene e além de matar a
sede, proporcionou o banho dentro de casa, ainda sem uma divisão exclusiva, no
mesmo espaço onde se comia e dormia.
O crescimento dos filhos levou
o casal a recolher-se à sua intimidade e o seu espaço de dormir passou a ser
fechado dentro da casa. O quarto de dormir, antes separado por uma simples
cortina, foi a primeira divisão da casa, como primeiro foi essa a sua
utilidade. O uso da cama como a conhecemos está relacionado ao uso do quarto,
assim como o uso da cadeira e da mesa ao uso da cozinha que era ao mesmo tempo
o espaço de comer e estar, simplesmente porque não se "estava" em
casa. As atividades desenrolavam-se fora de casa para onde se voltava ao fim do
dia para comer e repousar.
O terceiro e penúltimo espaço
da casa, a casa de banho, surgiu quando a água pode correr canalizada e assim
também ser escorrida depois de servir-se dela. O banho saiu do quarto de dormir
assim como o "penico" de baixo da cama…
O último espaço criado no
interior da casa foi o estar e o motivo foi a satisfação de um outro tipo de
necessidade mais refinada; o convívio social ao se receber os amigos. Mais
tarde o homem já teria meios suficientes com o seu trabalho para usufruir do
lazer e, além da receção de pessoas, a sala lhe servia simplesmente para estar
no conforto de seus prazeres modernos como a música, a leitura, ouvir o rádio e
assistir a TV.
Outros espaços utilitários
secundários surgiram consoante os recursos e necessidades dos proprietários: as
dependências de empregados, a copa, a lavandaria, o escritório, a despensa, etc.
O espaço exterior também foi compartimentado para a garagem, a oficina, o
desporto e próprio jardim que, sendo planeado e bem mantido, passou a fazer
parte integrante da casa.
A casa nessa medida,
confundindo-se com quem a habita, vem suprindo suas necessidades básicas e
psicológicas, numa referência à hierarquia de Maslow. Nessa correlação, podemos
supor que poderá também vir a se tornar um verdadeiro templo intimista, no
sentido de proporcionar ao morador um ambiente de auto-realização.
Características como o isolamento acústico, minimalismo, auto-suficiência
energética, cuidados ambientais, auto-produção de alimentos e mesmo os
conceitos energéticos do Feng Shui começam a se tornar comuns, demonstrando que
a casa de fato tem a cara de quem ali vive…
PS: Escrevi esse texto há algum tempo, ao qual acrescento agora por esquecimento, uma outra função da casa, que ocorre na fase seguinte à saída dos filhos, quando o casal envelhece e tem agora seus pais para cuidar, em muitos casos fazendo-se necessário trazê-los de suas casas para estarem connosco. Quando os pais não passam a ocupar os quartos deixados pelos filhos, o projeto de raiz da casa pode mesmo prever uma unidade autónoma ou parte integrante, adaptada às necessidades dos mais idosos, podendo ser utilizada para outros fins, mas destinada a esse uso.
Cumpre assim o seu papel, a "casa abrigo" das três gerações que convivem connosco durante o nosso tempo, e até mesmo talvez das próximas gerações que se seguirão.
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